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Sim, em letra maiúscula. Expressão máxima do futebol, o Gol é o motivo pelo qual o futebol é jogado. O Gol nem sempre é democrático, sendo experimentado na maioria das vezes por poucos craques e artilheiros. Entretanto, como diversos fenômenos da natureza, às vezes ocorre de forma não explicada e em momentos inesperados.
Em meu quarto ano no Clube de Pais, não sei por qual motivo, sempre fui escolhido para completar o time (dos 18, não dos 11). Tem os kits, os bons de bola e o resto, que é onde me enquadro. Em minhas orações antes dos jogos não tenho a ousadia de pedir para ser destaque com medo que a ira Divina se abata sobre mim, não fazer besteira grande é o máximo que posso almejar.
Lembro de minha primeira temporada no Nova Iguaçu, fazia alguns anos que eu estava afastado da bola e fiquei impressionado com a estrutura do campeonato – e com o vexame que eu poderia dar em campo. Companheiro de time do Polaco – ex-profissional, artilheiro naquele ano – e de Márcio Matador, outro artilheiro mito – não se sabe se é artilheiro de fato ou se é só lenda – ouvia com atenção: na dúvida passa pra eles que eles guardam. Tentei seguir essa orientação o ano todo, mas nem sempre meus passes tinham destino diverso das pernas dos adversários. O tempo foi passando e fui conquistando meu espaço (na lateral, que é o lugar dos pernas de pau – me desculpe o Xermi, que até hoje não sei por que joga nesta posição ingrata).
No segundo e no terceiro ano, Uruguai Campeão Moral e Orlando não classificado, fui achando meu espaço as custas de esforço próprio e algumas refeições grátis. Arrisquei umas subidas ao ataque e acredito ter dado uns 4 chutes a gol ao todo. Obediente à formação tática, com função mais de marcar que apoiar, tenho passado muitos jogos correndo para tentar evitar dribles e alcançar jogadores como Chupeta, Igão, Leleco, Matheus Singer, Pisca, Wagner… A diferença de idade e talvez de categoria atrapalha um pouco, mas é atenuada quando eu consigo jogar de acordo com as observações do Professor Secco nas conversas pré-jogo, que afirma que se chegar junto não passa ninguém. Bom, nem nesse quesito tenho me destacado, pois pelo que me lembro só tomei um cartão amarelo nesses quase quatro anos. O Joma não entende como isso acontece.
Mas, voltando ao assunto da coluna, neste ano sofri uma pressão muito forte para inscrever meu nome na artilharia, provavelmente pelo feito heroico do Rossi, não o Paolo da Itália de 1982, mas o Luiz Rossi do PSG, craque da minha grandeza que marcou um golaço no Santa Quitéria (poucos viram pois a iluminação do campo é muito ruim, dizem as más línguas que o goleiro só enxergou a bola após o apito do juiz). Amigos de longa data, Rossi e Angioletti (da fraca equipe do Lorient) iniciaram o bullying para que eu também deixasse minha marca nas redes.
Ocorre que na 13ª rodada deste ano tive a oportunidade ser aproveitado em outra faixa do campo, mais precisamente no segundo terço – nas palavras do Professor Paulo Autuori. Analistas dizem que alcancei a posição não por mérito, mas por absoluto excesso de laterais presentes em uma mesma partida e de desfalques importantes (o Capitão e Kit Léo Sá e o visionário craque e oráculo Di), e o fato se deu: marquei um Gol, logo após entrar no segundo tempo. A sensação foi boa mas estranha, Gol em campeonato fazia uns 20 anos que eu não marcava. Tenho tudo gravado na cabeça, e por detalhe o Du perdeu a oportunidade de faturar com a imagem. Era o jogo das 13:30 e não o da TV. Como o grande público ficou privado da maravilha, vou narrar.
Jogada de craque. Desarmei o adversário na intermediária, toquei para o meia e me posicionei à esquerda da meta adversária, na linha dos zagueiros – apenas por desencargo de consciência, não esperava que alguém tivesse confiança para me passar a bola naquela situação, ainda mais perdendo o jogo por 3 a 1. Entretanto, a bola veio. Tirei do zagueiro com um toque de direita, adiantei a bola pra ganhar terreno, percebi o goleiro adiantado e bati de esquerda por cobertura no ângulo oposto. O goleiro se esticou para aparecer na foto, mas não chegou na bola. Gol de Placa. Comemorei com meus companheiros e agradeci ao Capitão pela confiança.
Só não entendi até agora o motivo pelo qual, após o jogo, todos ficaram perguntando se eu tinha de fato tido a intenção de fazer o gol daquele jeito. Ora, quando os craques fazem gol de bicicleta todos aplaudem e não ficam perguntando se eles tropeçaram. Para quem viu vale a imagem, para quem não viu vale a narrativa – feita sem enfeite por esse humilde colunista.
Aproveito o espaço da coluna para destacar a oportunidade e a alegria de ainda ter um pouco de fôlego para participar do campeonato e para revelar de fato como foi feito o meu gol. Com a mão. Colocar a bola daquele jeito com o pé nem o Pelé colocaria.